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Escola e conflito

A escola como toda organização tem sua missão, ou seja, a explicitação das razões de sua existência, um público-alvo, um produto e um ambiente no qual realiza suas ações. Tais ações dizem respeito ao contexto sociocultural, envolvendo seres humanos e seus conflitos, de forma coletiva e/ou individual. Escolas se estabelecem por meio de decisões dicotômicas, muitas delas extremamente complexas. No ensino superior, uma das mais importantes é a polêmica entre formar elite, trabalhando com a alta cultura que implica acesso seletivo, ou investir na transformação social possível por meio do acesso mais democrático e formação do trabalhador. As duas opções demandam acréscimo de conhecimento, e os mesmos princípios que conduzem a aprendizagem no ambiente escolar são aplicáveis também para a percepção das regras, atitudes, concepção de ciência, de mundo e de funcionamento da sociedade. Alunos não aprendem apenas o conteúdo expresso de cada disciplina, apreendem também todo o sistema de valores que rege tal organização, assimilando hierarquia, formas de conduzir os problemas, maneiras de resolver conflitos. Mesmo num ambiente em que a disputa de poder manifesta-se não apenas em relação aos cargos, aos benefícios, mas, principalmente, pela respeitabilidade intelectual, não se pode desconhecer que a natureza humana é beligerante e competitiva. Desde os primórdios da humanidade a sobrevivência esteve associada ao confronto. Lutar por comida, espaço, terras, água, poder. Tal característica não é exclusiva da espécie humana, é comum a todos os seres vivos. Vivemos em permanente antagonismo, dominados pelo que em Psicanálise chama-se Id, cerne incivilizável da psique.

Em Filosofia dois conceitos são definidos como antagônicos quando a veracidade de um deles implica necessariamente a não veracidade do outro. Antagonismo é uma relação em que diferentes não podem conviver, supõe que o mundo constitui-se unicamente de absolutos: bem/mal, certo/errado, amigo/inimigo. Na política as consequências dessa maneira de pensar costumam ser desastrosas; todos os totalitarismos do século 20 fundaram-se ideologicamente em pensamentos únicos: controle da sociedade pelo Estado, raça superior, revolução cultural, mercado autorregulado. E todos tiveram um custo enorme em vidas e sofrimento. É evidente que sociedades ou pessoas em permanente beligerância não têm condições de sobrevivência em médio prazo e, por isso, estamos evoluindo lentamente para maneiras de convívio menos destrutivas. A cientista política Chantal Mouffe propôs como contraponto ao antagonismo o conceito de Agonismo, palavra derivada do grego agon e que significa concurso, competição; entendendo-se que tal competição se dará segundo regras e arbitragem definidas, que a legitimam. Segundo Chantal “(...) o opositor deve ser considerado, não um inimigo a destruir, mas um adversário cuja existência é legítima e tem de ser tolerada”. Se agirmos antagonicamente aos demais, apenas agravaremos a tensão geral e a nossa própria. Encarando-nos e aos outros como participantes de uma situação em que talvez não gostássemos de estar, mas que é real, e procurando modos de coexistência, seguindo as regras do bom senso, teremos uma chance bem maior de chegar aos nossos objetivos em segurança e com maior paz, embora sempre um pouco defasados aos nossos desejos. À instituição de ensino cabe o papel de modelo nesse processo. Tendo clareza de que a escola é constituída pela sociedade, mas também a constitui, não apenas deve refletir o comportamento conflituoso, mas também, e principalmente, mostrar que existe meio mais civilizado de resolvê-lo.

Wanda Camargo, presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil)

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