Pular para o conteúdo principal

DEMITIDO

Você é diretor de uma indústria de geladeiras. O mercado vai de vento em popa e a diretoria decidiu duplicar o tamanho da fábrica. No meio da construção, os economistas americanos prevêem uma recessão, com grande alarde na imprensa. A diretoria da empresa, já com um fluxo de caixa apertado, decide, pelo sim, pelo não, economizar 20 milhões de dólares. Sua missão é determinar onde e como realizar esse corte nas despesas.

Esse é o resumo de um dos muitos estudos de caso que tive para resolver no mestrado de administração, que me marcou e merece ser relatado. O professor chamou um colega ao lado para começar a discussão. O primeiro tem sempre a obrigação de trazer à tona as questões mais relevantes, apontar as variáveis críticas, separar o joio do trigo e apresentar um início de solução.

"Antes de mais nada, eu mandaria embora 620 funcionários não essenciais, economizando 12 200 000 dólares. Postergaria, por seis meses os gastos com propaganda, porque nossa marca é muito forte. Cancelaria nossos programas de treinamento por um ano, já que estaremos em compasso de espera. Finalmente, cortaria 95% de nossos projetos sociais, afinal nossa sobrevivência vem em primeiro lugar". É exatamente isso que as empresas brasileiras estão fazendo neste momento, muitas até premiadas por sua "responsabilidade social".

Terminada a exposição, o professor se dirigiu ao meu colega e disse:

-Levante-se e saia da sala.

-Desculpe, professor, eu não entendi - disse John, meio aflito.

-Eu disse para sair desta sala e nunca mais voltar. Eu disse: PARA FORA! Nunca mais ponha os pés aqui em Harvard.

Ficamos todos boquiabertos e com os cabelos em pé.

Nem um suspiro. Meu colega começou a soluçar e, cabisbaixo, se preparou para deixar a sala. O silêncio era sepulcral.

Quando estava prestes a sair, o professor fez seu último comentário:

-Agora vocês sabem o que é ser despedido. Ser despedido sem mostrar nenhuma deficiência ou incompetência, mas simplesmente porque um bando de prima-donas em Washington meteu medo em todo mundo. Nunca mais na vida despeçam funcionários como primeira opção. Despedir gente é sempre a última alternativa.

Aquela aula foi uma lição e tanto. É fácil despedir 620 funcionários como se fossem simples linhas de uma planilha eletrônica, sem ter de olhar cara a cara para as pessoas demitidas. É fácil sair nos jornais prevendo o fim da economia ou aumentar as taxas de juros para 25% quando não é você quem tem de despedir milhares de funcionários nem pagar pelas conseqüências. Economistas, pelo jeito, nunca chegam a estudar casos como esse nos cursos de política monetária.

Se você decidiu reduzir seus gastos familiares "só para se garantir", também estará despedindo pessoas e gerando uma recessão. Se todas as empresas e famílias cortarem seus gastos a cada previsão de crise, criaremos crises de fato, com mais desemprego e mais recessão. A solução para crises é reservas e poupança, poupança previamente acumulada.

O correto é poupar e fazer reservas públicas e privadas, nos anos de vacas gordas para não ter de despedir pessoas nem reduzir gastos nos anos de vacas magras, conselho milenar. Poupar e fazer caixa no meio da crise é dar um tiro no pé. Demitir funcionários contratados a dedo, talentos do presente e do futuro, é suicídio.

Se todos constituíssem reservas, inclusive o governo, ninguém precisaria ficar apavorado, e manteríamos o padrão de vida, sem cortar despesas. Se a crise for maior que as reservas, aí não terá jeito, a não ser apertar o cinto, sem esquecer aquela memorável lição: na hora de reduzir custos, os seres humanos vêm em último lugar.



Stephen Kanitz

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Liderança e "Seguidança"

É totalmente irracional o número de cursos existentes que ensinam Liderança. Mas se nem todos serão líderes, teremos muitos alunos frustrados. Esse é o problema de um quarteto de cordas, por exemplo. Todos os quatro músicos precisam ser os melhores de sua categoria. Mas é necessário ter um líder que determina o ritmo e força da interpretação. Os outros três precisam aprender a seguir, mesmo sendo da mesma estatura musical. Esse é um dos grandes problemas do Brasil. Todos querem ser líderes, ninguém quer obedecer aos líderes que temos. “ Se hay gobierno soy contra .” Assim não vai funcionar. Nas empresas, quando há uma crise não é o Presidente que lidera, mas sim o maior especialista da área. O Presidente não fica constrangido nessa hora a seguir ordens do mais capaz. Precisamos é ensinar Seguidança mais do que Liderança. Precisamos ensinar que seguir não diminui a pessoa, não significa que você é um incapaz, que você tem méritos sim, somente não é a pessoa mais indicada a decidir. O Br...

Qualidade......onde?

  Neste semestre tenho o desafio de “vender” aula para a graduação, o tema principal é qualidade, mas o contexto sobre qualidade é vasto e a pergunta chave desta publicação é por que falta qualidade em alguns produtos e serviços? A evolução da qualidade nas empresas tem sido uma jornada contínua ao longo das últimas décadas. Desde a Revolução Industrial até os dias atuais, houve experiências na abordagem da qualidade nas organizações. Algumas das principais etapas dessa evolução incluem o controle da qualidade, suas ferramentas e certificações. No início do século XX, a ênfase estava no controle da qualidade do produto. As inspeções manuais eram realizadas para identificar defeitos e garantir que os produtos atendessem a certos padrões mínimos. O processo era reativo , corrigindo problemas após a produção. Gestão da Qualidade Total - é um conjunto de práticas e processos aplicados pelas organizações para garantir que seus produtos, serviços e processos atendam ou excedam as e...

QUANDO TAYLOR CHOROU

Depois de ler o livro - Quando Nietzsche Chorou, fiquei pensando como seria um diálogo na atualidade com Frederick Taylor, considerado o Pai da Administração. Eu conto a história da administração e os ensinamentos do Taylorismo nas aulas de administração, onde tínhamos a Revolução Industrial com a metáfora do relógio e da máquina, tudo certinho com suas engrenagens funcionando o tempo todo e a “todo vapor”. Taylor tomou conhecimento dos problemas sociais e empresariais decorrentes da Revolução Industrial e com o estudo de tempos e movimentos começa a aplicar nos seus métodos de trabalho, a Ciência, em lugar de empirismo, racionalização do trabalho, análise das tarefas de cada operário, decompondo seus movimentos e processos de trabalho, aperfeiçoando-os e racionalizando-os gradativamente. Tudo era lento, previsível e com pouca tecnologia. Taylor assegurava que as indústrias de sua época padeciam de alguns problemas, “vadiagem no trabalho”, desconhecimento, pela gerência, das r...