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Nada superou a Gestão Científica?


“O Taylorismo é o único sistema de Administração coerente e lógico e, assim, ensinável” - (Deam Harolw Person)



Este é um assunto que tem me causado muitas inquietações nos últimos anos. Depois da experiência de Hawthorne, talvez, nunca se falou tanto em administrar pessoas nas organizações como nos dias atuais. Em 2011 comemoram-se os 100 anos do lançamento do livro Scientific Management, de Frederick Winslou Taylor. Anos antes, em 1903, ele já havia publicado Shop Management, que enfatizava as técnicas de racionalização do trabalho do operário por meio do estudo dos tempos e movimentos. Nas duas publicações seu autor buscava freneticamente a redução do esforço físico do trabalhador e o aumento da produtividade. O que faz a Gestão Científica permanecer viva e ativa no século 21, em plena era de tantos avanços tecnológicos no campo da produção e dos serviços? Frank Barkley Copley, um dos primeiros biógrafos de Taylor, nos dá uma ideia da resposta sobre o tema quando em 1923, finaliza sua obra Frederick W. Tayrlor Father of Scientific Management, com uma expressão digna de profunda reflexão: “the work of the mind endures”. Temos que concordar com o autor que a Gestão Científica foi uma iniciativa criativa e inteligente, até porque no século passado foi um modelo de gestão utilizada tanto pelo capitalismo como pelo “comunismo” e continua sendo praticada nos dias de hoje, por pequenas, médias e grandes empresas. Para alguns gurus da Administração - como Gary Hamel, o criador da Gestão Científica deveria ser considerado como um dos grandes benfeitores da humanidade à invenção da administração científica no início do século 20, que transformou a política esclarecida e a descoberta científica em propriedade global. Por sua vez Peter Drucker afirmava que “a Gestão Científica pode muito bem ser a mais poderosa e também a mais duradoura contribuição que os Estados Unidos deram ao pensamento ocidental desde os Documentos Federalistas”. Se, para os capitalistas, a Gestão Científica era quase uma religião, para os “comunistas” a importância era ainda maior. Segundo Mattew Stewart (filósofo e crítico da Gestão Científica), “em 1918, nas páginas de Pravda, Vladimir Lênin declarou: 'devemos organizar na Rússia o estudo e os ensinamentos do sistema de Taylor e sistematicamente experimentá-los e adaptá-los a nossos resultados'”. Conforme Castelles (1999) “enquanto no Fordismo a aceleração do trabalho estava associada a dinheiro com aumento do pagamento, no Stalinismo não só o dinheiro era um mal segundo a tradição russa, mas o tempo deveria ser acelerado por motivação ideológica”. A prática da Administração Científica na União Soviética nos tempos de Lênin significou trabalhar mais por unidade de tempo como um serviço para o país, pois essa prática antecipava planos de cinco anos serem cumpridos apenas em quatro. Anterior à experiência de Hawthorne, os críticos da Gestão Científica vêm tentando encontrar uma maneira de gerenciar as organizações de forma mais humana. Conforme Stewart, a proposta do australiano Elton Mayo - quando desembarcou nos Estados Unidos no porto de São Francisco em 1º. de agosto de 1922, era substituir o Taylorismo por uma abordagem mais humana à administração. Mas Mayo não era o único a olhar a Gestão Científica de forma “desumana”. Os sindicatos americanos, bem como a imprensa e os artistas da época, discordavam dos métodos de Taylor desde as primeiras décadas do século 20. Folett abordava em seus estudos temas como o trabalho em grupo e a responsabilidade de cada pessoa na empresa, defendia o trabalho social e as pessoas como componente central das organizações. Na segunda metade do século 20 surgiram novos modelos de gestão que tentaram superar a Gestão Científica por modelos mais humanos e descentralizados. Desta vez não são só os Estados Unidos que exportam modelos. Com a gestão da qualidade, o Japão pós-guerra passa de imitador a exportador de produtos com qualidade total. Em seguida vem uma enxurrada de novos modelos de gestão escrita por professores e gurus com receitas que não conseguem substituir os quatros princípios da Gestão Científica. A Administração Científica tem a preocupação de racionalizar e padronizar os processos e se fundamenta em quatro princípios: princípio do planejamento, do preparo, do controle e da execução.
Princípio do planejamento: Apesar de existirem muitas produções acadêmicas e empresariais no campo da gestão ainda não conseguiram criar algo novo que substitua o planejamento na empresa. Ao contrário, se não planejarmos os objetivos futuros da empresa, estaremos planejando o fracasso do negócio.
Princípio do preparo: Entramos no século 21 sem encontrarmos uma maneira diferente de obter a tão almejada eficácia nas empresas. Se não selecionarmos a pessoa certa para fazer aquilo que tem mais aptidão, se não for treinada e se não disponibilizarmos as ferramentas adequadas para que ela produza mais, é quase impossível obter eficácia, pois mesmo substituindo o trabalhador pela tecnologia as empresas não alcançaram esse objetivo. Deve-se levar em consideração que a tecnologia não funciona sozinha, ela precisa ser conhecida e dominada pelo trabalhador.
Princípio do controle: O terceiro princípio da Gestão Científica é uma prática constante, pois permite a verificação do que está ocorrendo. Pelo bom senso de todo gestor, deve ser de acordo com o que foi planejado e se isso não estiver ocorrendo durante o processo, o gestor terá a possibilidade de fazer uma ação corretiva para que os objetivos sejam alcançados. No século 21, o cronômetro do Taylor foi aperfeiçoado pela tecnologia e hoje é utilizado nos bancos e nas empresas o modelo digital, que gera gráficos e não mede só o tempo de uma tarefa, mas a utilização racional que gera mais produtividade e eficiência. A questão hoje é fazer o controle de forma humana, coisa que o Taylorismo desprezava e por isso era criticado. Mas é engano afirmar que o controle sumiu das empresas. Ele está de cara nova, maquiado, mas em suas raízes é Taylorista.
Princípio da execução: Houve avanços no século 20, mas as organizações não abandonaram o modelo, principalmente com a difusão da ideia do empowerment, estudado e divulgado pela professora da University Harvard, Rosabeth Moss Kanter. Para ela o empowerment é um marco na diferença entre as empresas que estagnam e as que inovam. Mas isso não significa que todas as empresas avançaram nesse sentido, pois o Taylorismo ainda é visível em grande parte desse universo. No Brasil, por exemplo, existem poucas empresas com referencial internacional da SEMCO, do empresário brasileiro Ricardo Semler, que é considerado pelos gurus da gestão como um exemplo vivo da prática do empowerment. Mas com certeza a Semco planeja seus objetivos, então não despreza a ideia da Gestão Científica.
Novos modelos
Surgiram modelos de gestão pós-Gestão Científica, tais como: gestão participativa, gestão da qualidade, gestão por processo, gestão por objetivos, gestão do conhecimento, gestão por competência e principalmente a gestão de pessoas. Além deles, surgiram também os processos e programas de motivação como: CCQ – Círculos de controle da qualidade, brainstorming, downsizing, kaizen, em seu discurso aparentam a participação do trabalhador no processo de planejamento, tentam mostrar que o trabalhador é visto pela organização como parceiro do negócio, como gerador de valor a partir de bens intangíveis, e como o seu principal ativo o que se configura uma forma antagônica da Gestão Científica. Mas isso não significa que na atual conjuntura pela qual passa o mercado em função da globalização, as empresas sejam totalmente liberais com seus recursos humanos em termos de planejamento, controle e execução de processos. Apesar das novas formas de gestão propagarem um discurso de maior participação dos colaboradores, na prática, a aplicação desses modelos de gestão não funcionam necessariamente dessa forma no Brasil. Numa pesquisa coordenada pelo Professor Ricardo Antunes da Unicamp – Universidade de Campinas, A nova morfologia do trabalho e os (dês)caminhos do sindicalismo, constatou-se que “o Brasil é ainda um pouco Taylorista em algumas áreas e muito em outras”.   Não temos nenhuma comprovação científica até a presente data de que uma empresa brasileira entregou totalmente seu planejamento estratégico aos seus colaboradores. Ao contrário, os dirigentes das empresas continuam pensando e seus colaboradores executando as tarefas e os processos que eles determinam. Parodiando a pedagoga Cosete Ramos “continua o divórcio entre as mãos e a cabeça, alargando-se o fosso entre o fazer e o pensar”. A prioridade ao organograma, o controle burocrático e a hierarquia rigorosa ainda é bem presente nas empresas. A realidade que observamos neste século 21, é que nenhum modelo de gestão surgido nos últimos 100 anos teve um efeito tão devastador nos processos de gerenciamento em busca da eficiência e da eficácia como a Gestão Científica. O nascimento de inúmeros conceitos ao longo do século 20 não superou definitivamente essa maneira de gerenciamento, via de regra os novos modelos de gestão levam em consideração menos pessoas que significam menos custos e menores salários. Quem ousa discordar dessas afirmações hoje? Talvez, o motivo pelo qual a Gestão Científica vai continuar disfarçada de modernidade neste século é porque ninguém, sem usar a tecnologia, em qualquer lugar do mundo, conseguiu fazer o que Taylor fez com 140 homens o que era feito, antes dos seus métodos, com 500 homens. Outra questão é que quando essa proeza foi feita em 1901, na Bethlehem, os salários aumentaram até 60%. Hoje, quando as empresas reduzem os seus quadros de pessoal, os colaboradores que sobreviveram, além de trabalharem em dobro, permanecem com seus salários inalterados. Não precisamos pensar muito para distinguir quem perdeu mais.
Então, enquanto não se descobre um novo modelo de gestão para substituir definitivamente a Gestão Científica que não venha da América, da China e nem do Japão, seria interessante repensarmos esse processo, utilizando os benefícios da globalização e a velocidade da internet para propormos um novo modelo de gerenciamento que leve em consideração o capital intelectual dos recursos humanos como o maior ativo da organização. Esses recursos humanos, por sua vez, deveriam visualizar as tarefas na organização, como desafio, não como castigo. Desafio aqui entendido como oportunidade para a grandeza no desenvolvimento deste novo século que nos apresenta um mercado de muitas incertezas. Essa é a ideia.

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