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Para mudar a maneira como pensa, mude a maneira como você vê

Mas, além de pensar de outra forma para conceber novas ideias ou produtos revolucionários, também é preciso ver de outro jeito. Grandes criadores, inovadores e empreendedores enxergam o mundo de um jeito diferente de muitos de nós. É por isso que eles veem oportunidades que outras pessoas não são capazes de perceber.

A história do Velcro é bem conhecida. Um engenheiro suíço, George de Mestral, decidiu olhar com mais atenção para os carrapichos (sementes de plantas) que ele encontrava presos à sua roupa depois de um passeio na mata. Olhando pelo microscópio, ele viu que a natureza projetara ganchos nos carrapichos, e estes se agarravam às fibras das roupas. Assim nasceu a famosa alternativa ao zíper, o fecho aderente batizado de Velcro. (Hoje, existe todo um campo, chamado biomimética, dedicado a imitar a natureza a fim de resolver os problemas do homem.)
Menos conhecida, mas igualmente digna de nota, é a história do Softsoap. Um empresário norte-americano, Robert Taylor, decidiu examinar mais de perto o aspecto das barras de sabonete após serem desembrulhadas e utilizadas nos banheiros. Olhando de perto a saboneteira em um ambiente em geral bastante limpo, ele notou que ficava uma poça de sabonete derretido. Decidiu, então, que a solução seria um sabonete líquido em um bonito frasco de bombear. Assim nasceu o Softsoap, que transformou todo o setor de sabonetes.
Dois empreendedores geniais que olharam para as coisas de um jeito diferente. Seja através de um microscópio ou uma lente de zoom, literal ou metaforicamente, eles deram o passo fundamental de olhar para o familiar de uma forma distanciada. O grande matemático francês Blaise Pascal sentenciou: “As mentes medíocres estão preocupadas com o extraordinário; as grandes, com o ordinário”. Parece que ele tinha em mente algo parecido: Olhe para o que está bem diante de nós, mas olhe de uma forma que escapa à maioria das pessoas.
Há uma palavra para esta atividade: desfamiliarização. Um teórico literário russo, ativo no início do século 20, chamado Viktor Shklovsky, apontou como Tolstói alcançava o efeito de sublimação em sua escrita por meio de técnicas como a descrição de objetos a partir de uma perspectiva distorcida e a recusa à utilização de nomes habituais de objetos, em suma, “tornando estranho” (desfamiliarizando) o familiar. Mais tarde, o célebre diretor francês Jean-Luc Godard revolucionou o cinema com o uso de jump cuts em seu filme Acossado. Hoje considerado algo corriqueiro, essa inovação deve ter parecido desconcertante para muitas pessoas da época. Até então, os maiores esforços iam na tentativa de criar de um fluxo contínuo e fluido (a “continuidade”) na tela. Afinal, um fluxo contínuo é como experimentamos a visão, graças ao funcionamento do nosso cérebro. Isso é o familiar. Entretanto, Godard decidiu romper com esse fluxo para nos forçar a nos afastarmos de nossas suposições usuais e ver seus personagens como, literalmente, ansiosos e desconexos. Agora, percebemos os sentimentos de isolamento experimentados por seus personagens e também suas tentativas — malsucedidas e trágicas, no final — de se conectarem uns com os outros. Godard transplantou a técnica de desfamilizarização da página para a tela.
Os exemplos desses grandes artistas fornecem a todos — inclusive aos empreendedores — algumas dicas sobre como deixar de ver o mundo da maneira familiar e começar a enxergá-lo de formas não familiares e produtivas. Quando olhamos para o mundo, não devemos apenas examinar, mas examinar com uma perspectiva deliberadamente distinta. Não se limite a citar o que está ao seu redor, mas invente novos nomes. Não se restrinja a considerar o todo, mas separe (ou categorize) as coisas em partes. Essas técnicas podem nos ajudar a ver o caminho para o novo e o para o revolucionário, seja nas artes ou nos negócios.
É como a famosa afirmação de Sherlock Holmes a Watson: “Você vê, mas não observa. A distinção é clara”. Um auxílio extra sobre como romper com o familiar e, em vez disso, observar, observar em profundidade, é fornecido pela psicóloga e escritora Maria Konnikova em seu livro Perspicácia: Aprenda a pensar como Sherlock Holmes. Escreve ela: “Para observar, você deve aprender a separar a situação da interpretação, e a se distanciar daquilo que está vendo”. Uma técnica sugerida por Konnikova para melhorar nossa capacidade de operar dessa maneira é a de descrever uma situação de interesse em voz alta ou por escrito para um companheiro. Segundo Konnikova, Holmes servia-se de Watson dessa forma, para explicitar suas observações ao investigar um caso e, muitas vezes, era por meio desse exercício que as pistas cruciais do caso se tornavam evidentes. Eis outra técnica que aspirantes a artistas e empreendedores — e detetives — devem experimentar.
Nosso cérebro é projetado para impedir que prestemos atenção demais. Isso é bem demonstrado pela ilusão de ótica chamada efeito de Troxler (em homenagem ao médico suíço do século 19, que descobriu o efeito). Se formos apresentados com uma imagem estável na área de nossa visão periférica, nós paramos de vê-la depois de um tempo. Esse fenômeno — o termo neurocientífico é habituação — provavelmente indica uma maneira eficiente através da  qual o cérebro opera. Os neurônios cessam de disparar quando têm informações suficientes sobre um estímulo inalterável. Entretanto, isso não significa que a habituação é sempre nossa amiga.
Podemos pensar no esforço não apenas de pensar diferente, mas também de ver diferente, como uma forma de nos opormos à tendência inata a nos habituarmos, a nos acomodarmos na maneira familiar de ver e vivenciar as coisas. Um motivo pelo qual os maiores artistas, empreendedores e criadores de todas as vertentes recebem a iluminação que lhes permitem mudar o mundo é que, literalmente, eles não veem as coisas como nós. Seus métodos nos ensinam que ver as coisas de um jeito diferente nos faz enxergar o que ninguém mais pôde perceber. É assim que se constrói o futuro.

Adam Brandenburger ocupa o cargo de J.P. Valles Professor na Stern School of Business, é professor emérito na Tandon School of Engineering e diretor do Shanghai Program on Creativity + Innovation da New York University.

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