Autor
de A Lógica do Cisne Negro, Nassim Taleb sustenta, com os demais autores do
artigo, que a cartilha convencional da gestão de risco não prepara ninguém para
a realidade. Nenhum modelo, por exemplo, foi capaz de prever o impacto que a
atual crise econômica teve ou está tendo em certas partes do globo.
Ao lidar com o risco, o gestor comete seis
erros comuns: tenta prever eventos extremos, busca se orientar pelo passado,
ignora conselhos sobre o que não fazer, usa o desvio padrão para calcular o
risco, não entende que equivalência matemática não é o mesmo que equivalência
psicológica e acredita que, quando o assunto é eficiência, não há espaço para
redundância. A empresa que fechar os olhos para cisnes negros (eventos de baixa
probabilidade e alto impacto) sucumbirá. Mas, em vez de tentar prever um cisne
negro, é preciso reduzir a vulnerabilidade geral da empresa a um episódio
desses.
É quase impossível prever um “cisne negro”. Em
vez de insistir na ilusão de que dá para antever o futuro, o gerente de risco
deve tentar reduzir o impacto de ameaças que fogem à compreensão.
Não vivemos no mundo para o qual a típica
cartilha da gestão de risco nos prepara. Nenhum modelo de projeção vislumbrou o
impacto da atual crise econômica, cujas consequências continuam a surpreender
economistas e teóricos da gestão. Para piorar, a crise foi agravada, como todos
sabemos, pelos chamados modelos de gestão de risco dos bancos — modelos que
aumentaram, em vez de limitar, a exposição das instituições ao risco e deixaram
o sistema econômico mundial mais frágil do que nunca.
Acontecimentos de baixa probabilidade e alto
impacto, praticamente impossíveis de prever — o que chamamos de “cisne negro”
—, são cada vez mais comuns. Por causa da internet e da globalização, o mundo
virou um sistema complexo, formado de uma trama enredada de relacionamentos e
outros fatores interdependentes. Com a complexidade, surgem não só mais cisnes
negros, mas fica impossível prever até acontecimentos ordinários. A única coisa
que dá para prever é que a empresa que ignorar cisnes negros vai afundar. Em vez de tentar antever eventos de baixa
probabilidade e alto impacto, devíamos reduzir nossa vulnerabilidade a esse
tipo de fenômeno. A nosso ver, administrar o risco é reduzir o impacto daquilo
que não entendemos — e não tentar, em vão, criar técnicas sofisticadas e
histórias que perpetuem a ilusão de que podemos, sim, entender e prever o
ambiente social e econômico.
Para
mudar o modo como encaramos o risco, é preciso evitar seis erros.
1) Achar que, ao prever eventos extremos, será
possível administrar o risco.
É o pior erro que cometemos,
por dois motivos. Primeiro porque nossa capacidade de prever cisnes negros é
péssima. Segundo porque, ao nos atermos a um punhado de cenários extremos,
esquecemos outras possibilidades. No processo, ficamos mais vulneráveis.
Melhor seria pensar nas consequências — ou
seja, avaliar o possível impacto de acontecimentos extremos. Cientes disso, empresas
energéticas finalmente deixaram de tentar prever quando poderia haver um
acidente numa usina nuclear. O que fazem, agora, é se preparar para a
eventualidade. Faça o mesmo. Tente determinar como sua empresa será afetada, na
comparação com as concorrentes, por mudanças drásticas no mercado. Uma queda
inesperada na demanda ou na oferta, ainda que pequena, abalaria muito a
empresa? Se a resposta for sim, ela não suportaria uma queda acentuada em
pedidos, um súbito aumento de estoques, e por aí vai.
Na vida pessoal, às vezes tomamos medidas para
poder absorver o impacto de um cisne negro. Não tentamos calcular a
probabilidade de que algo vá ocorrer; nossa única preocupação é saber se
conseguiremos lidar com as consequências caso isso ocorra. Além disso, contratamos
seguro para a saúde, para o carro, para a casa ou o que for. Alguém por acaso
compra uma casa antes de checar quanto custa segurá-la? A decisão é tomada
depois de computado o custo do seguro. Nos negócios, contudo, tratamos o seguro
como um opcional. Não é. Toda empresa deve estar preparada para enfrentar
consequências e ter seguro contra os riscos que assume.
2) Acreditar que estudar o passado vai nos
ajudar a controlar o risco.
O gerente de risco erra ao
olhar no retrovisor para enxergar o futuro. Nossa pesquisa mostra que eventos
passados não guardam qualquer relação com choques futuros. Não havia
precedentes para coisas como a 1ª Guerra Mundial e os ataques de 11 de setembro
de 2001. O mesmo vale para o comportamento das bolsas. Até o final da década de
1980, a pior queda [das bolsas americanas] num único pregão tinha sido de cerca
de 10%. No dia 19 de outubro de 1987, no entanto, as bolsas caíram 23%. Como
explicar que, depois disso, alguém esperasse que qualquer tombo feio fosse se
limitar a 23%? A história engana muita gente.
É comum ouvirmos gerentes de risco — sobretudo
no setor financeiro — tentarem se justificar com um “Isso não tem precedentes”.
O que acham é que, com o devido esforço, é possível encontrar precedente para
qualquer coisa e prever tudo. Só que um cisne negro não tem precedente. Para
piorar, o mundo de hoje não parece o de ontem; tanto a interdependência quanto
a não linearidade são maiores. Certas políticas não provocam efeito nenhum a
maior parte do tempo — até que, um dia, causam uma grande reação.
Ninguém leva em conta a aleatoriedade inerente
a muitas variáveis econômicas. Uma delas, a aleatoriedade socioeconômica, é
menos estruturada e dócil do que a outra, a que encontramos em manuais de
estatística e cassinos. Provoca situações de concentração (winner-take-all) com
graves consequências. De todas as empresas de capital aberto no mundo, menos de
0,25% responde por cerca de metade do valor total de mercado. De todos os
livros publicados, menos de 0,2% gera cerca de metade das vendas. De todos os
remédios no mercado, menos de 0,1% responde por pouco mais de metade da receita
da indústria farmacêutica. De todos os riscos que corremos, menos de 0,1%
causará pelo menos metade do nosso prejuízo.
Por causa da aleatoriedade socioeconômica, não
há um fracasso “típico” nem um sucesso “típico”. Há altura e pesos típicos, mas
não há uma vitória ou uma tragédia típica. É preciso prever tanto o evento
quanto sua magnitude — o que é difícil, pois o impacto em sistemas complexos não
é típico. Ao estudar a indústria farmacêutica, por exemplo, vimos que a maioria
das projeções de vendas de novos medicamentos não se comprovava. Mesmo quando
previam o sucesso, as empresas subestimavam as vendas por um fator de 22!
Prever grandes mudanças é praticamente impossível.
3) Ignorar conselhos sobre o que não fazer.
Uma recomendação para “não”
fazermos algo em geral é mais impactante do que uma sugestão positiva.
Aconselhar alguém a não fumar, por exemplo, vale mais do que qualquer outra
dica de saúde dada. “Os efeitos nocivos do cigarro são mais ou menos
equivalentes aos efeitos positivos somados de toda intervenção médica surgida
desde a 2ª Guerra Mundial. Abolir o cigarro traria mais benefícios do que a
capacidade de curar o ser humano de todo tipo possível de câncer”, observa o
especialista em genética Druin Burch no livro Taking the Medicine. Por essa
lógica, se tivessem ouvido o conselho de não se expor excessivamente a eventos
de baixa probabilidade e alto impacto, os bancos americanos não estariam hoje
praticamente insolventes — mas teriam, é claro, ganhado menos lá atrás. Psicólogos fazem distinção entre o ato
comissivo e o omissivo. Embora o impacto seja o mesmo em termos econômicos — o
que não é perda, é ganho —, gerentes de risco não tratam as duas coisas
igualmente. Dão mais ênfase a registrar lucro do que a evitar prejuízos. Mas
uma empresa pode triunfar se evitar perdas enquanto as concorrentes se estrepam
— e, isso feito, pode roubar mercado delas. No xadrez, os grandes mestres buscam
evitar erros; os novatos tentam vencer. Na mesma veia, o gerente de risco não
gosta de não investir e, com isso, conservar valor. Mas vejamos onde o leitor
estaria hoje se sua carteira de investimentos tivesse permanecido intata nos
últimos dois anos, quando a de todo mundo perdeu 40% do valor. Não perder quase
metade da aposentadoria sem dúvida é uma vitória.
Dar conselho positivo é coisa de charlatão. A
seção de negócios nas livrarias está cheia de histórias de sucesso; há muito
menos obras sobre o insucesso. Esse menosprezo do conselho negativo faz a
empresa tratar a gestão do risco como algo desvinculado da atividade lucrativa,
como algo secundário. O que devia fazer é integrar atividades de gestão de
risco aos centros de lucro e tratá-los como atividades geradoras de lucro,
sobretudo se a empresa estiver sujeita a cisnes negros.
4) Achar que o risco pode ser medido pelo
desvio padrão.
O desvio padrão — muito usado
na área financeira como indicador do risco de um investimento — não devia ter
lugar na gestão de risco. O desvio padrão corresponde à raiz quadrada do
quadrado de diferenças médias — não às diferenças médias. O uso de quadrados e
da raiz quadrada torna o indicador complicado. Seu único significado é que, num
mundo de aleatoriedade controlada, cerca de dois terços da variação deviam
ficar dentro de certos limites (os desvios padrão de –1 e +1) e que qualquer
diferença maior do que sete desvios padrão é praticamente impossível. Mas isso
não vale na vida real, onde pode haver oscilações de mais de 10, 20 e às vezes
até 30 desvios padrão. O gerente de risco deve evitar usar métodos e
indicadores ligados ao desvio padrão, como modelos de regressão, R-quadrado e
betas.
Há muita confusão em torno do desvio padrão.
Nem analistas quantitativos parecem entender bem o conceito. Em experimentos
que fizemos em 2007, demos a um grupo de “quants” informação sobre a variação
absoluta média de uma ação (o desvio absoluto médio); quando pedimos que
fizessem certos cálculos, o dado foi logo confundido com o desvio padrão. Se
isso confunde um especialista, é pouco provável que outras pessoas acertem. De
todo modo, quem estiver atrás de um número único para representar o risco está
pedindo problemas.
5) Não entender que equivalência matemática
não significa equivalência psicológica.
Em 1965, em The Character of
Physical Law, o físico Richard Feynman observou que dois enunciados
matematicamente equivalentes podem ser díspares por se apresentarem à mente
humana de forma distinta. Na mesma veia, nossa pesquisa mostra que o modo como
o risco é formulado influencia a compreensão do mesmo. Se dissermos ao
investidor que há chance de que perca todo seu dinheiro somente a cada 30 anos,
em média, é mais provável que invista do que se dissermos que a probabilidade
de perda de uma certa quantia é de 3,3% ao ano.
O mesmo vale para viagens de avião. Fizemos a
seguinte pergunta aos participantes de um experimento: “Você está de férias em
outro país e pensa em voar por uma companhia aérea local para visitar uma certa
ilha. Segundo estatísticas de segurança, essa empresa registra, em média, uma
queda de avião a cada mil anos. Você dificilmente voltará a essa parte do
mundo. Compra a passagem ou não?”. Todos os participantes disseram que sim.
Em seguida, mudamos a segunda frase, que passou
a ler: “Segundo estatísticas de segurança, essa empresa registra, em média, uma
queda de avião a cada mil voos”. Nos dois casos, a chance de queda é de uma em
mil. Só que, no segundo enunciado, o perigo soa maior.
Apresentar o melhor dos cenários normalmente
aumenta o apetite pelo risco. Logo, busque sempre outras formas possíveis de
apresentação do risco para não se deixar iludir pela formulação ou pela
matemática.
6) Acreditar que eficiência e maximização do
valor ao acionista não permitem redundância.
A maioria dos executivos não
percebe que a otimização deixa a empresa vulnerável a mudanças no entorno.
Sistemas biológicos conseguem lidar com mudanças; a mãe natureza é o melhor de
todos os gerentes de risco. Em parte, por amar a redundância. A evolução nos
deu peças de reserva — temos dois pulmões e dois rins, por exemplo — que
permitem a sobrevivência.
Na empresa, a redundância
consiste de aparente ineficiência: capacidade ociosa, componentes não
utilizados e dinheiro parado. O oposto é alavancagem, que aprendemos a
considerar algo bom. Não é. A dívida deixa a empresa — e o sistema econômico —
frágil. Se estiver altamente alavancada, a empresa pode quebrar caso não atinja
uma projeção de vendas, caso os juros subam, caso outros riscos se
materializem. Já se não estiver toda endividada, pode lidar melhor com uma
mudança. A superespecialização atrapalha
a evolução da empresa. A teoria da vantagem comparativa de David Ricardo
sugeria que, para a máxima eficiência, um país devia se especializar em
produzir vinho, outro em fabricar roupa, e por aí vai. Esse tipo de argumento
ignora mudanças inesperadas. E se o preço do vinho cair? No século 19, muitas
culturas no Arizona e no Novo México desapareceram porque dependiam de um
punhado de lavouras incapazes de sobreviver a mudanças no entorno.
Um dos mitos sobre o capitalismo é que nele é
tudo questão de incentivos. É de desincentivos também. Quem quer ter parte do
retorno precisa assumir também parte do risco. Contudo, a própria natureza da
remuneração aumenta o risco. Se o bônus que a empresa dá a alguém não puder ser
confiscado, esse executivo ou executiva terá um incentivo para ocultar o risco,
promovendo para tanto transações com alta probabilidade de gerar pequenos
lucros e pequena probabilidade de sérios reveses. Com isso, o executivo
garantiria seu bônus por anos a fio. Se vier a ser registrado um grande revés,
o executivo pode até ter de se desculpar, mas não terá de devolver
gratificações passadas. Isso vale para a empresa também. É por isso que muitos
presidentes fazem fortuna enquanto acionistas permanecem pobres. A lei deveria
garantir à sociedade e aos acionistas o poder de confiscar o bônus de quem
deixou a desejar. Isso faria do mundo um lugar melhor.
Além disso, quem administra operações de alto
risco, como usinas nucleares e bancos, não devia receber bônus, pois é bem
provável que busque atalhos para maximizar o lucro. A sociedade dá a maior
missão de gestão de risco às forças armadas, mas soldado nenhum ganha bônus.
É bom lembrar que o maior risco de todos está
em nós: superestimamos nossa habilidade e subestimamos o que pode dar errado.
Na antiguidade, a húbris era considerada o pior dos defeitos e punida de forma
implacável pelos deuses. Basta ver todos os heróis que sofreram retaliação
fatal pela megalomania: Aquiles e Agamenon pagaram com a morte pela arrogância;
Xerxes foi derrotado devido à presunção ao atacar a Grécia; e muitos generais
ao longo da história pereceram por não reconhecer os próprios limites. A
empresa que não conhece seu calcanhar-de-aquiles está fadada a sucumbir por
causa dele.
Nassim N. Taleb é titular da
cátedra Distinguished Professor of Risk Engineering no Polytechnic Institute
(New York University), nos EUA, e diretor da firma de investimentos americana
Universa Investments. É autor de vários livros, incluindo A Lógica do Cisne
Negro: O Impacto do Altamente Improvável (Best Seller, 2008). Daniel G.
Goldstein é professor assistente de marketing da London Business School, na
Inglaterra, e diretor de pesquisa da Yahoo. Mark W. Spitznagel é diretor da
Universa Investments.
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